Eles estão em todos os lugares, no cinema, na TV, na literatura e até na “vida real”. Mas por que nós necessitamos tanto deles?

A indústria cultural
está obcecada pelas histórias de heróis. Com uma navegação rápida no Google, é
possível descobrir que somente em 2016 estrearão nos cinemas oito filmes do
gênero. Foi-se o tempo em que HQ e super-herói eram coisas de nerd, Hollywood
está a todo o vapor com produções deste tipo. Desde o começo dos anos 2000, os
longas se multiplicaram e até personagens menos conhecidos do público em geral
têm ganhado espaço nas telonas. Parece uma fonte inesgotável de lucro e
entretenimento. Mas por que as histórias de super-heróis provocam tanto fascínio, arrebatando
milhões de pessoas ao redor do mundo?
A resposta para essa pergunta pode não ser simples e
envolve muitos fatores. Para Fernando Passarelli, jornalista e criador do site
‘Deus no Gibi’: “Vivemos em um mundo sombrio, repleto de maldade, e a figura do
herói representa uma fagulha de esperança por dias melhores, de segurança e
paz. E essa pequena chama, em nosso coração, é capaz de trazer um pouco de
alívio da realidade que nos envolve”. Isso não significa, porém que qualquer
pessoa possa dar uma de ‘Kick Ass’ e se fantasiar de herói, defendo o mundo de toda injustiça. “A transformação
que a mitologia dos heróis traz se dá em nossa alma, alimentando o sonho, a possibilidade
de crer num amanhã melhor”, completa Fernando.
Olhando por esse viés, a pessoa do herói vai muito além
dos seres altruístas que encontramos no cinema e nos quadrinhos. Nós, como
seres humanos, ansiamos por admirar alguém. “É comum sentirmos necessidade de
ter alguém em que se espelhar, que funcione como modelo e nos sirva de
inspiração, não importa se é alguém real ou inventado. Somos estimulados desde
cedo a identificar e adotar referências para seguir”, explica o terapeuta
analítico-comportamental, Ghoeber Morales.
Nossos heróis podem mudar ao longo da vida, assumindo
profissões, interesses e opiniões bem diferentes um do outro. Isso acontece
porque nós mudamos com o tempo, portanto queremos alguém que se encaixe naquilo
que estamos vivendo ou precisando. “Talvez os pais sejam os primeiros heróis. A
criança crê no poder de provisão de alimento, teto, segurança e amor. Até que o
pai e mãe são substituídos pelo irmão, vizinho, colega ou primo. E a
transferência de 'titularidade' do herói segue vida adiante. Para o namorado,
professor, chefe, o jogador de futebol do time do coração, o político do partido de preferência ou o cantor
admirado”, diz Fernando Passarelli.
A fragilidade do herói
Com o passar dos
anos, buscamos uma identificação com nossos heróis, algo em sua história
precisa lembrar a nossa: tanto nos acertos quanto nos erros. Talvez, por esse
motivo, os heróis da ficção tenham se tornado mais falhos. “[Algumas pessoas]
se sentem mais confortáveis em identificar e até assumir algumas fraquezas
pessoais sem, no entanto, deixar de lado seus próprios pontos fortes, se
identificando mais facilmente com aqueles super-heróis mais próximos da
realidade”, analisa o terapeuta. Enquanto o Super-homem era, teoricamente, um
herói acima de qualquer suspeita, que nada (além da kriptonita) poderia lhe destruir, começam a
surgir heróis mais humanos com problemas mais parecidos com os nossos, como
lembra Fernando: “O Homem-Aranha foi um dos mais emblemáticos, porque estava
constantemente sem dinheiro para pagar o aluguel, enfrentava a ira de um chefe
injusto, era perseguido pela polícia, não conseguia arrumar uma namorada e
tinha que mentir à tia que o criou para esconder a identidade de herói”. Não foi
apenas sua capacidade de voar pelos céus de New York pendurado em teias que o
fez virar o ‘Amigo
da Vizinhança’, mas sim o fato de ele ser tão comum quanto um de nossos
vizinhos.
Outros exemplos desses personagens imperfeitos podem ser
encontrados nas histórias de Deadpool, o herói ‘boca suja’ de caráter
questionável; Demolidor, que enfrenta muitos dilemas ao tentar defender Hell’s
Kitchen; a Mulher Gato que pensa apenas em si mesma e até o próprio Batman que
não tem muita piedade com os malvados que atormentam Gotham. Esses heróis e
anti-heróis, trazem à discussão o fato de não sermos completamente bons ou
completamente ruins, mas que vivemos uma intensa batalha interior, somos seres
complexos e não superficiais.
Real ou imaginário?
Os heróis são referências
para a vida de qualquer ser humano e muitas vezes atendem pelo nome de
Super-homem, Homem Aranha ou Batman, seja pela sua natureza bondosa e
justiceira ou pelos super poderes que despertam a imaginação. Mas essas
referências também podem atender pelo nome de Martin Luther King Jr, Nelson
Mandela ou Neymar. Não importa se são pessoas de verdade ou se foram inventados
pela mente humana, criados para o lucro, o entretenimento ou comoção. Quantos
não escolheram jornalismo como carreira inspirados em Peter Parker e Clark Kent? Da mesma forma, quantos
meninos e meninas perseguem o desejo de se tornarem jogadores de futebol e
seguir os passos de Neymar? Os heróis são, em geral, pessoas com quem nos
identificamos, aspiramos ser ou que alcançaram os mesmos sonhos que nós.
Os poderes, claro, também despertam o interesse de quem
consome estes produtos culturais e absorve a ideologia do herói. Quem não
gostaria de voar? Ser super forte e se curar em questão de segundos? E quanto
ao teletransporte? Mesmo que, em alguns casos, os poderes sejam frutos da
inteligência e sagacidade dos próprios personagens, como em Batman e Homem de
Ferro. Os poderes são o ponto chave da história, é o que dá ação e dinâmica. É
o que faz as pessoas vibrarem em seus assentos.
Ter um herói pode ser saudável se observarmos alguns
limites. O herói (real ou inventado) pode nos ajudar a chegar onde almejamos,
mas devemos ter cuidado ao nos compararmos com o objeto da nossa admiração.
“Infelizmente, muitas vezes, tais comparações trazem algum tipo de prejuízo
emocional às pessoas, já que elas só fazem sentido quando se referem à
comparação entre a pessoa e ela mesma, observando as evoluções ocorridas,
porém, considerando apenas sua própria história de vida”, orienta o terapeuta.
Ou seja, devemos contrapor o ‘eu’ de ontem com o ‘eu’ de hoje e não com nossos heróis. “Cada um tem uma
história de vida que deve ser levada em conta e respeitada”, acrescenta
Ghoeber.
E a moral da história...
A realidade é que as histórias de heróis impactam a vida
das pessoas e causam reflexão, assumindo o papel de propagar conceitos e
valores importantes para a sociedade. Para Fernando Passarelli, essas
narrativas atuais possuem funções parecidas com as parábolas contadas por Jesus
em seu tempo e que a própria Igreja de Cristo tem muito a aprender com essas
histórias da ficção. “A
Igreja poderia exercer um pouco mais a missão fundamental de qualquer herói,
que é salvar a vida das pessoas. Ele não vai perguntar qual a orientação sexual
da pessoa, qual a crença dela, como foi criada ou qual a posição política. Ele
não vai passar os dias recluso, em sua base secreta, esperando uma resposta
sobre a forma correta do salvamento ou discutindo se tem ou não razão nos seus
conceitos. E é isso que a Igreja faz, atualmente. Líderes e membros ficam
fechados, em seus templos, comunidades, seminários e simpósios, enquanto existe um mundo inteiro
ameaçado, em busca de salvação - do mal, da pobreza, da fome, da violência, da
injustiça. É como se o mundo gritasse – ‘socorro, quem irá me salvar?’. E a
Igreja desviasse o olhar, imaginando que esse clamor não é com ela”, esclarece
o jornalista.
Como seres racionais e inteligentes, temos condições de
absorver tudo ao redor e transformar em algo bom, que edifica, inspira e
transforma e os contos de heróis podem ser um ótimo começo para nos ajudar a
encontrar a moral da nossa própria história.


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